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domingo, 17 de setembro de 2017

Revolução Réstia- Parte IV




A solidária emissora radiofônica exibiu ainda, entre uma canção e outra, trechos de uma entrevista gravada com Ângelo Breu onde desabafos singelos foram extraídos pelo comunicador Bokão:

“... Olha Bokão, é u siguinti, tudo isso qui fizeram cum a gênti um dia vai sê discuberto... Um monte di fator contribuíram pra êssi tristi disfecho...Si a nossa união tivesse tão forte como quando a gênti cumeçô nêssi troço, talvez até déssi pra tocá u barco pra frente... Tinha muita gênti qui não tinha nada a vê cum a banda botando pilha pru bagulho afundá, si fazendo di amiguinho, intêndi? Eu não quero citá nomis, mas u irmão du Bira foi um dus qui mais si encabrerô cum as ameaça... A pinta já tava tri indecisa... cum medo di não tê ondi morá... di morrê di fômi... Pinto um isquema pra nós lá im Porto, só qui a gênti tava duro... Nem u da passagem nós tinha... Si di repênti nós tivéssi motivado mesmo, á fuzel, a gênti até batalhava junto uma grana, mas infilizmenti as cabeça já não tavam mais alinhada nu objetivo, intêndi? A viajem di cada um já era mais a mesma, pra sê mais exato... Agora só mi resta pidí disculpa prus fã e pra todos aquelis qui acreditavam di alguma forma nu nóssu trabalho... (Pausa) ... Snif, snif... Não adianta nada lamentá... foi bom inquantu durô.”

            Para aumentar a emotividade do momento, neste exato instante da entrevista Bokão disparou como fundo musical a canção ‘We are the champions” da banda britânica Queen, liberando de vez o pranto do baixista Ângelo.            
                             
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            Gelsinho acabou canalizando a sua rebeldia para outra direção tão logo perdeu o emprego. Nessa época acabou ele unindo-se ao idealista Teixeira na elaboração de concretas ações de repúdio contra a política neoliberal do prefeito municipal. Encontravam-se às quartas-feiras pela parte da tarde para traçarem com outros 9 companheiros alguns planos oposicionistas. Teixeira era, sem dúvida alguma, o mentor, o líder, o cabeça da Brigada da Libertação Nortense, que possuía em seu arsenal apenas armas artesanais como porretes, varas, pedaços de tábuas e pedras. Reagiam bravamente aos ataques da Guarda Municipal, que mesmo com seu material bélico arcaico (mosquetões, bacamartes e floretes) possuía um contingente maior e bem mais adestrado para tais fins.
          Contudo, em algumas batalhas, como a travada às margens do Arroio Matão, a supremacia da BLN no combate corpo á corpo fez-se evidente. Enquanto os guardas, dentro do arroio refrescavam-se da enorme canícula que fazia, os rebeldes surgiram inesperadamente do matagal para decidirem “no tapa” quem eram os mais fortes. Dondinho Baiano, um dos membros da Brigada, havia ensinado a capoeira para seus companheiros, o que tornava-lhes hábeis lutadores capazes de enfrentarem até 3 oponentes de uma só vez.
            A Revolução Réstia, denominação extraída da principal matéria prima da região, a cebola, durou cerca de 2 anos, deixando um rastro de leucócitos e hemácias pelo chão. Foi somente com a captura de Teixeira, graças a uma caguetagem interna, que a ordem pública foi restabelecida em São José do Norte. A imprensa manipulou a opinião popular em favor dos interesses executivos, rotulando a BLN como um “mal social o qual todos os cidadãos nortenses deveriam unirem-se para deceparem, num processo de reestruturação da ética em que os detentores de possíveis informações não deveriam omitirem-se”.  A campanha “anti-BLN” surtiu o efeito esperado naquelas mentes desprovidas de senso crítico, fazendo o povo odiar os revolucionários.

- Víssi só as nutícia ônti? U repórter entrevistô uma moça qui falô qui êlis passam u dia inteiro bebendo... São tudo uns pau d’água.
- Tem qui pegá essis vagabundo antis qui êlis mátim  alguém... Tu viu só a hora qui mostraram a matança qui aqueles lôku lá da Arábia fizeram? U Balvê Martins disse qui aqui vai sê igual.
- Qui barbaridadi! Tomara qui peguem êlis duma vez... To cum a minhas guria trancada im casa pra não corrê perigo.


            Durante a revolução Teixeira enviou diversas notas de esclarecimento à comunidade para a divulgação através da imprensa, contudo, nenhuma delas foi integralmente reproduzida. Apenas alguns trechos adulterados foram usados para corroborarem o universo de calúnias que pairava no ar e que visavam destruí-lo moralmente.

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            Airton Clêncio Kurts de Braz Teixeira, visivelmente desgastado com a estressante rotina das batalhas começou a perder o equilíbrio. Dormia apenas 4 horas por dia, sem tempo para exercitar as reflexões que haviam durante tanto tempo amordaçado a sua natureza inferior. Inicialmente mostrou-se sutilmente agressivo com o cão Asko, um velho vira-latas marrom e gordo que cuidava a retaguarda do QG. Logo após a irritabilidade refletiu-se nas relações pessoais, fazendo-o com perigosa freqüência perder a calma com os companheiros, não admitindo qualquer sinal de contestação. Esta macabra transformação provocou a deserção de dois militantes, ocasionando uma divisão na estrutura da corporação. Os que ficaram puderam constatar definitivamente que Teixeira já não era mais o mesmo. Um autoritarismo vigoroso aflorou em sua conduta, fazendo-o perder o controle da situação que provocara. Começava ali a desenhar-se o desfecho daquela guerrilha.
            Vítima de seus próprios conflitos pessoais acabou provocando a queda de seu nobre ideal. Até onde pôde, resistiu bravamente à repressão violenta do prefeito, enfrentando de igual pra igual às tropas municipais que queriam à força apagar aquela idéia revolucionária. Numa ação conjunta com o Exército e a Polícia Civil a Guarda Municipal finalmente deu o bote certeiro, capturando os rebeldes. Somente Teixeira conseguiu escapar por uma passagem secreta nos fundos do seu quintal, no entanto foi perseguido pelos cães farejadores e dominado a 2 km dali, perto de um açude. Acabava ali a mais ousada manifestação da força popular idealizada naquelas bandas. Teixeira foi internado em um hospital psiquiátrico de Rio Grande onde aos poucos foi readquirindo o juízo. Porém Adinelson Bulhões tomou as providências necessárias para mantê-lo trancafiado naquele lugar, do outro lado do canal. Os demais membros da BLN foram mandados para exílios nas mais diversas localidades vizinhas.
      
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            Enfim tudo voltou ao normal. Fofocas, intrigas, televisão, futebol, festas e nada mais. Apesar disso uma semente ficou plantada e no tempo certo aparecerá alguém que dará continuidade à luta de Teixeira, Gelsinho e outros tantos. Provavelmente, num futuro distante, virarão eles nomes de praças e logradouros deste município que como tantos outros faz questão de manter os seus verdadeiros mártires bem longe do mundo dos vivos, tão ativos quanto estátuas de bronze.




                                                     
                                                         FIM  



           



                                


 

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