Páginas

sábado, 4 de março de 2017

Fragmento de um conto






- Espera! Desce!

Gentilmente, como requer a situação, ela apertou com rapidez o botão AP (Abrir Porta). Entrou então um senhor grisalho, com seus 62... 63... 65 anos no currículo. Tinha dentes alvos como o marfim e, num sorriso um tanto quanto dissimulado, agradeceu com voz desafinadamente aveludada:

- Pô... Se não é tu... Obrigado filha... Tô superatrasado para uma reunião...

Em seguida, com interesse, percorreu o seu olhar de peixe-morto pelos 1 metro e 75 centímetros de Dirce, reparando na sua beleza fresca e primaveril. Tinha ela um jeito todo juvenil de ser, e isto estava impresso na forma como se vestia, andava e sorria. Quando percebeu as “sodômicas” intenções do ancião, ficou embaraçada como uma menina. Nervosa, colocou cinco ou seis vezes uma mecha de seus cabelos ondulados para trás da orelha direita, buscando disfarçar o mal-estar que sentiu. Não lhe dirigiu qualquer palavra nem olhou mais em seu rosto, contudo era-lhe evidente que ele continuava a apreciar as suas curvas bem esculpidas.
Por fim, o recato inicial dela deu espaço a uma indignação profunda, e o seu instinto de autodefesa a fez encará-lo com severidade e sem medos. O que viu, no encontro de olhares, repugnou-a ainda mais. O grisalho, perfumado e bem alinhado em seu traje escuro de sarja, percorria com os seus olhos famintos, um trajeto metódico, com intervalos sincronizados. Seu nariz lembrava um focinho de porco, e a gordura acumulada em seu ventre e pescoço deixava-o ainda mais à imagem e semelhança de um suíno. O tal homem cobiçava-a de cima a baixo, de baixo a cima e depois de cima a baixo novamente. Olhava desde os seus pezinhos mimosos até o agradável feitio do seu rosto moreno claro, de lábios carnudos e olhos grandes. Fazia isso lentamente, com prazer e desfrutando até onde o tempo e a ocasião lhe permitiam. Dirce percebeu ainda um discreto movimento horizontal em sua língua, à medida que passeava a vista impura pelos pés, tornozelos, coxas, quadris, barriga e seios dela. Isso, definitivamente, esgotou-lhe a paciência. E, quando preparava ela uma bofetada certeira, o elevador chegou enfim ao 1.º andar.
Quando a porta reabriu, quis ela, inicialmente, vingar-se, puni-lo ou tão somente xingá-lo. Assim que o perdeu de vista, no entanto, sentiu um surpreendente desânimo. Naquele momento, teve vontade de fugir para um lugar bem distante e não conversar mais com ninguém. Sim, ela sabia que era atraente e por isso recebera já muitas cantadas picantes, mas aquele homem... Cruzes! Tinha algo particularmente sujo e degradado em suas intenções. Sentiu-se profanada em sua condição de mulher inteligente e romântica. Saiu do elevador em direção ao chuveiro. E ele, a passos rápidos, olhando o relógio, deixou o prédio e acenou para um táxi  que vinha vazio pelo outro lado da rua. O motorista fez o retorno e levou-o até a sede da Pastoral da Igreja Católica para a sua reunião de trabalho. Era o Padre Adolfo, que estivera no Residencial Parque Imperatriz para visitar um diácono amigo seu. 

                                     
Trecho de “O Grande Pajé” (disponível em formato impresso via link do PagSeguro no próprio blog)
                                                                                                                                                                                                                          

Nenhum comentário: