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sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

O verme- Parte II









          A bizarrice máxima, proveniente daquela fonte, estava ainda por vir. Contrariando os prognósticos transcritos ao início dessa narrativa, que fizeram alusão aos tais vermezinhos que utilizam a cavidade anal humana como seu habitáculo, mas que somem-se geralmente na idade adulta, Ítalo ainda sofria cronicamente de Oxiuríase. O que mais causaria perplexidade em qualquer indivíduo dotado de senso crítico era, no entanto, a escancarada realidade estampada frente a gravidade dos fatos: O homem gostava daquela coceirinha. Negou-se, inclusive, a tomar qualquer remédio ou fazer tratamento médico. Sentia incontrolável prazer em coçar a bunda. Costumava trancar-se nos banheiros sob o pretexto de suprir necessidades fisiológicas, porém, a necessidade maior que vinha sentindo, cada vez mais, era coçar-se, coçar-se e coçar-se. A agradável sensação que muitos sentem ao introduzir um cotonete no ouvido para limpá-lo, ele sentia ao escrafunchar o orifício defecativo. Pegava um pequeno pedaço de papel higiênico, enrolava-o ao dedo médio da mão esquerda e friccionava tenazmente as paredes do ânus infestado. As vezes nem lavava as mãos e sentava-se em seguida à mesa, para terminar de comer o churrasco ou algumas fatias de salame, hábito anti-higiênico que acabava reinfestando o seu corpo com mais larvas do Enterobus vermicularis. Soltava baixos gemidos quando entregava-se àquela espécie de masturbação, o que foi despertando, em parentes e colegas que escutaram-no por trás da porta, desconfianças múltiplas.

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              Na noite daquele trinta de abril, véspera do feriado alusivo ao Dia do Trabalho, a coceirinha atacou-lhe de uma forma um pouco mais incisiva que das outras vezes. Aproveitando-se da ausência da nega-velha, que fora passar o feriadão em Jaguarão, carregando consigo os filhos do casal, abasteceu-se na locadora da esquina com oito fitas VHS pornôs, comprou no Boteco do Zenir uma garrafa de Caninha 51, três limões, um lombo de porco, uma tripa de mursilha branca e bastante torresmo. Passou a tarde daquele 30/04 comendo, bebendo, vendo filme e, é claro, de tempos em tempos, coçando o rabo. Com a chegada do astro noturno, entretanto, por volta das vinte horas e quinze minutos, o seu ânus palpitou de forma diferente, fazendo-lhe sobressaltar-se e interromper a leitura da revista Playboy que segurava entre as mãos sujas. Disparou, como em outras milhares de vezes, ao banheiro, á fim de averiguar a procedência do fato. Com um pouco mais de pressa, arrancou o já tradicional pedaço de papel higiênico, fez com ele uma espécie de capa protetora ao dedo, introduzindo a bucha no canal excretor. Conforme desconfiara, dessa vez não era apenas uma mera coceira. Havia algo palpável dentro daquelas paredes anais. A princípio, achou que poderiam ser fezes, expelidas durante um de seus peidos e iniciou, lentamente, a retirada do corpo estranho. A medida que ia puxando o troço com as mãos, percebeu que o seu tamanho parecia não ter mais fim. Finalmente, quando invadido pela impaciência deu um último e forte puxão pra fora, com pavor, conheceu cara à cara a causa do seu infortúnio. Era um verme, do tamanho de uma minhoca grande, medindo uns 30 cm, aproximadamente, lambuzado por uma gosma escura e gordurenta, de odor nauseante. Ítalo, instintivamente, já dominado pelo pavor, largou, com o pedaço de papel higiênico e tudo, o gigante exemplar do Enterobus vermicularis no chão. Para a sua triste surpresa, o tal animalzinho começou a ganhar rapidamente tamanho, pondo-se em posição ereta, tal como uma cobra naja, encarando-o frente à frente, com seus olhos acesos, faiscantes e cheio de uma raiva insana. Percebeu o homem, com redobrado espanto, à essas alturas com os óculos já totalmente embaçados, que pontiagudíssimos dentes caninos haviam surgido na arcada dentária da criatura. Por outro lado, constatou o crescimento exagerado das asas laterais (cefálicas) à esquerda e à direita da cabeça. Talvez numa exibição de poder, o verme alçou-se aos ares, impulsionado pelas referidas asas, pairando como um beija-flor macabro e assassino no teto do banheiro. As pernas de Ítalo afrouxaram-se, o seu coração bateu descompassadamente e o pavor, intensa e definitivamente, tomou conta do Panela de Banha.
               Aquilo que, aquelas alturas tornara-se uma espécie de cobra voadora, passou a emitir silvos, da mesma forma que o réptil:

-- SSSSSSSSSSSSSS!  SSSSSSSSSSSSSS! SSSSSSSSSSS!
          

          Satisfeito com a própria demonstração de força o monstruoso nematoide posicionou-se novamente no chão, em pé, desta vez articulando num português surpreendentemente claro, injúrias, blasfêmias, escárnios, insinuações e ofensas de toda espécie contra ele. Um ódio mortal e implacável parecia insuflar-lhe por dentro e algo inevitável, sinistro, encaminhava-se à acontecer naquele banheiro. O vigilante, que no fundo sempre fora um covarde metido a valentão justiceiro, começou a gritar, alta e desesperadamente, com todo o vigor vocal que tinha:

-- AAAAAAAAAAH! AAAAAAAAAAAAAAH! ME AJUDA! ALGUÉM AÍ! AAAAAAAAAAH! SEU HIDALGO! DONA MÍRIAN! CELSO!  Ô CELSÔ! POR FAVOR! AAAAAAAAAAAH! ME AJÚDA PÔRRA! DEPRESSA! Ô CELSOOOOO!

           Não adiantou absolutamente em nada. Provavelmente, devido a Festa do Trabalhador, no Ginásio Municipal de Araçá, quase ninguém estava em casa para acudir-lhe, e os poucos que estavam, inexplicavelmente, não ouviram ou vieram prestar-lhe auxílio. O Enterobus então, após xingar-lhe literalmente de tudo, avançou com seus dentes cortantes, ferozmente, tal qual lobo enlouquecido, ao corpo obeso e rosado de Ítalo. Muito sangue e banha respingaram nos azulejos da peça. O homem urrava com amargura à cada nova dentada, tal qual um porco à hora do abate. Começou-lhe a faltar respiração de tanto gritar, já que a dilacerante sensação de ter a pele arrancada, as ligações internas de seus membros rompidas e os ossos partidos por aquelas poderosas mandíbulas, não dava-lhe um instante de trégua.
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           Acabou sendo, na mais pura interpretação da expressão,  comido vivo. Só não foi inteiramente engolido porque escuras manchas de sangue permaneceram tingindo o banheiro, do teto ao chão, numa prova incontestável da carnificina que ali acontecera. Os pesados óculos jaziam numa poça de sangue próxima ao lavatório, rachados e com as lentes quebradas. O já satisfeito verme, á essas alturas um pouco diminuído de tamanho, introduziu-se ralo do vaso á dentro, desaparecendo para sempre e sem deixar vestígios.

                                       


      
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3 comentários:

Elvira Carvalho disse...

Caramba este foi forte.
Um abraço e bom fim de semana

Anônimo disse...

Misericórdia isso parece mentira ,que verme foi esse que ninguém viu e mesmo assim narraram uma história com imagem

Cesar disse...

Ele provavelmente saiu do mesmo orifício ou planeta do(a) comentarista "anônimo(a) que não quis mostrar seu lindo rosto.